Certo dia, os fariseus perguntaram a Jesus: "Quando virá o reino de Deus?". Jesus respondeu: "O reino de Deus não é detectado por sinais visíveis. Não se poderá dizer: ‘Está aqui!’ ou ‘Está ali!’, pois o reino de Deus já está entre vocês".
- Lucas 17:20-21
Existe, hoje, uma ideia silenciosa, mas extremamente poderosa, presente nas sociedades modernas — especialmente nas democracias ocidentais. Trata-se da percepção de que o Estado é um prestador de serviços, e os cidadãos, meros consumidores desses serviços. Nessa lógica, os governantes são avaliados como fornecedores de um produto político, e a cada ciclo, como em uma assinatura de aplicativo, renovamos ou cancelamos o “contrato”, baseados na nossa experiência de uso.
Esse olhar transforma a participação cívica em algo superficial. As relações sociais, políticas e públicas passam a ser tratadas como transações de mercado. Escolhemos propostas como se escolhe um item no cardápio, aguardamos os resultados com pressa e, se eles não chegam, mudamos de fornecedor. Tudo isso sem refletir sobre a lógica por trás desse processo ou sobre o nosso papel dentro dele.
Essa visão utilitarista da cidadania gera consequências profundas. Perdemos a noção de continuidade, de responsabilidade compartilhada, de construção coletiva. Deixamos de enxergar a política como campo de atuação e passamos a tratá-la como prestação de serviço. No fim das contas, o que vale é o que recebemos — e não como isso foi construído, nem a quem beneficia ou prejudica além de nós mesmos.
Nesse cenário, a sociedade começa a se comportar como um cliente apressado: exige, cobra, compara, descarta. Mas esquece que o Estado não é uma empresa, e viver em sociedade não é uma simples relação de consumo. A democracia exige mais do que expectativa. Exige presença, participação, envolvimento.
A pergunta que precisa ser feita é: queremos apenas consumir um projeto de governo ou participar ativamente da construção de uma nação? Porque a diferença entre uma postura e outra pode parecer sutil — mas é, na verdade, determinante.
O consumidor está sempre preocupado com o custo-benefício. Ele analisa se está pagando justo por aquilo que recebe. E seu mundo se organiza a partir dessa lógica: tempo, espaço e coletividade são filtrados pela lente da vantagem individual. Sua relação com o todo é indireta — ele quer receber, e só. Do outro lado, o cidadão tem uma compreensão mais profunda. Ele entende que sua vida está entrelaçada com a vida coletiva. Que seus direitos não existem sem os deveres. Que, para a sociedade funcionar, ele não pode ser apenas um cliente exigente — mas um agente transformador.
Essa distinção é fundamental. O povo-consumidor vive em função do que lhe é entregue. O povo-cidadão vive em função do que é construído com ele e através dele. O primeiro realiza trocas; o segundo é fruto de relações. Um se vê de fora; o outro se reconhece dentro.
Por isso, o maior desafio que enfrentamos como sociedade não é apenas melhorar a qualidade dos serviços públicos ou corrigir falhas administrativas. Nosso verdadeiro desafio é mais profundo: mudar a mentalidade. Sair da lógica do consumo político e entrar na lógica da cidadania ativa. Do engajamento. Do pertencimento.
Porque, enquanto tratarmos a política como balcão de atendimento, continuaremos nos frustrando com quem está do outro lado. Quando, na verdade, o que precisa mudar é a maneira como nos posicionamos diante dela.
A construção de um país justo, equilibrado e sustentável não passa apenas pelas mãos de quem governa. Passa, antes de tudo, pela consciência de quem é governado. Não somos meros consumidores de um sistema. Somos parte dele. E é nessa consciência que começa qualquer mudança real.
Em breve teremos novos ciclos eleitorais, e a percepção que fica é que nada mudou, e nem vai mudar, porque como indivíduos continuamos iguais, e consequentemente como sociedade. Se quisermos ver mudanças, elas começam dentro de nós e seguem transformando tudo ao nosso redor. De dentro para fora, do micro para o macro, somos convidados todos os dias a viver um novo tipo de governo, mas isso é um assunto para um outro dia.