Quem lhe disse que você estava nu?", perguntou Deus. "Você comeu do fruto da árvore que eu lhe ordenei que não comesse?"
O homem respondeu: "Foi a mulher que me deste! Ela me ofereceu do fruto, e eu comi". Então o Senhor Deus perguntou à mulher: "O que foi que você fez?". "A serpente me enganou", respondeu a mulher. "Foi por isso que comi do fruto."
- Marcos 7:31-37
Já parou pra pensar como somos continuamente levados a fugir dos problemas? Parece instintivo: quando algo “dá ruim”, a nossa tendência pseudo-natural é querer apertar o botão de ejetar da vida e só voltar quando tudo estiver resolvido. É uma atitude que parece não ter limite de idade, religião ou nacionalidade. E o mais interessante é saber que o gatilho que geralmente desperta esse sentimento pode ser, também, a sua própria solução.
Na grande maioria das vezes, procuramos a primeira porta de saída quando olhamos para os lados e vemos alguém que, em nosso imaginário, pode resolver a questão — para, em seguida, retornarmos com tudo pronto, sem peso, esforço ou qualquer tipo de ônus. Que maravilha!
Realmente, parece que todos somos assim, pelo menos a maioria. E você deve estar se perguntando: e daí?
O problema, quando entendemos que somos assim, é que não percebemos o nosso estado de escravos dessa condição — seja na esfera pessoal ou em grupo. Padecemos dessa patologia de forma sistêmica. Somos mestres em fugir dos problemas — ou melhor, em delegá-los. Se houver alguém para “morrer com a batata quente”, que esse não seja eu. É assim que caminhamos como sociedade.
No âmbito pessoal, é comum olharmos para os lados e, inconscientemente, pedirmos por um Chapolin Colorado e seu mantra de invocação: “Oh, e agora, quem poderá nos ajudar?”. E de repente, surge o bem-intencionado, mas nem sempre tão apto, super-herói para nos livrar de mais uma enrascada da vida. Não há limites para seus poderes: pode ser um cano que estoura, um bebê que chora no quarto ao lado ou um acidente inesperado que pega todos de surpresa. Nessas horas, ninguém quer ser o pai ou a mãe da criança.
No coletivo, também não é diferente. Sempre queremos transferir para alguém a responsabilidade pelos problemas. Seja no condomínio do prédio onde moramos, seja na gestão da cidade em que vivemos, nosso desejo íntimo é ter alguém para cobrar pela solução dos nossos problemas. Repito: nossos.
O grande “x” da questão acontece quando entendemos o valor de solucionar problemas e descobrimos que manter o mundo ao nosso redor dependente da nossa postura é muito vantajoso num contexto em que, naturalmente, o que queremos é exatamente não querer: problemas.
Privar as pessoas de serem protagonistas dos seus próprios problemas virou fonte de lucro individual e coletivo. Não permitir que elas se compreendam como parte do problema — e escravizá-las em torno daqueles que apresentam uma mínima solução para ele — é o motor da sociedade moderna. Sistemas políticos, religiosos, ideologias, impérios econômicos, coaches, terapeutas… a lista não tem fim. E, de tempos em tempos, sempre surge um novo item. Todos lucram nesse sistema escravocrata, desde que todos se mantenham distantes da responsabilidade pelos próprios problemas.
Precisamos urgentemente devolver ao homem o seu lugar de protagonismo. Toda pessoa, ao se deparar com um problema, quer apenas se livrar dele — seja delegando, seja resolvendo. Quando a primeira opção se torna padrão, criamos uma sociedade disforme, desconectada das suas responsabilidades e da sua importância no ciclo da vida. Viver numa sociedade onde o problema está sempre no outro é ser escravo de um sistema que impede a evolução e o desenvolvimento. Não se enxergar como parte do problema impede que sejamos também parte da solução.
O homem muda de vida quando deixa de fazer o que tem vontade e começa a fazer o que tem de ser feito.
- Autor desconhecido
Resolver problemas, lidar com o desconforto e encontrar soluções faz parte do DNA humano. Privá-lo dessa condição é reduzir sua capacidade de crescimento enquanto indivíduo. Seja na vida pessoal ou nos ambientes sociais dos quais faça parte, é prioritário assumirmos essa posição — pois só assim seremos capazes de encontrar soluções que envolvam a raiz de todo problema da humanidade: o homem. E, caso não tenhamos a capacidade de sermos ou encontrarmos a solução, que tenhamos a condição de aceitar o socorro proposto com gratidão e humildade.